O poema A Branca de Neve, da poeta mineira Adélia Prado, revela a verdade de algo não tão claro ou evidente aos nossos olhos apressados. Vivemos no ritmo que nos é imposto, numa dinâmica semelhante à do consumo, pois quanto mais melhor. Quanto mais eu produzir, quanto mais eu me relacionar, quanto mais prazer, quanto mais… melhor vai ser a vida. E para isso é preciso correr, deixar para trás ou de lado o que não é importante agora, o que pode atrapalhar de ir mais longe ou de bater aquela meta hoje, seja terminar algo do trabalho, riscar como concluída todas as tarefas da lista do dia, ou mesmo cumprir com uma pendência atrasada, não importa o sono, o convívio, o descanso, as pessoas que amo, o importante mesmo é dar conta de tudo o que me propus a fazer para hoje. Mas será que fui eu mesmo que propus isso? Ou estou olhando para a realidade ao redor e buscando viver o mais parecido possível do que eu imagino que todo mundo está vivendo?
Queremos controlar nossa vida, muitos se atentam, milimetricamente, para as possibilidades de algo dar errado ou sair do planejado. Imprevistos? Não, isso é desculpa. Não podem acontecer e se, inevitavelmente, acontecem, o desespero, a preocupação, a ansiedade e, às vezes, até mesmo a culpa tomam conta do momento de forma incontrolável. O estresse vira acompanhante do restante do dia (e talvez de todos os dias) e acelerar se torna ainda mais necessário. Correr, cada vez mais, será que quanto mais é melhor também? Mas por quê?
Recomendo a leitura e apreciação completa do poema A Branca de Neve, mas destaco um trecho:
“Demoro a aprender que a linha reta é puro desconforto.
Sou curva, mista e quebrada,
Sou humana. Como doido,
bato a cabeça só pra gozar a delícia
de ver a dor sumir quando sossego.”
Qual é a nossa loucura dos dias de hoje? O que fazemos para ter uma mísera sensação de bem-estar em meio a tanto estresse e cansaço?
Parece que estamos constantemente negando a realidade mais pura, aquela que não dá para ver se passamos correndo. E por correr na vida, correr com a vida, talvez estejamos negando que não somos linha reta, sem obstáculos no caminho, tudo liso e perfeito. Não, nós não temos o controle de nossas vidas, pois seria muito para darmos conta (e sentimos isso, mesmo sem reparar nessa realidade). A realidade mais pura é que somos curva, mistos e quebrados, temos complexidades dentro de nós, que queremos e tentamos ignorar, fingir não que existem, talvez porque pensar sobre si mesmo pode ser perda de tempo, vai atrasar o trabalho do dia ou atrapalhar no planejamento, ou simplesmente não temos paciência pra isso. Mas negar isso é negar o único caminho que a vida naturalmente nos dá, o caminho que nos mostra quem realmente somos, humanos. Com anseio de viver bem, sendo limitados, complexos, falhos – humanos.