Leitura e escrita, refúgios para a alma

Certa vez, um amigo querido e de minha total confiança, ao ler um de meus textos e me dar um retorno sobre sua experiência com a obra, refletiu que uma das maiores marcas dos meus escritos era a autobiografia. Na verdade, até ouvi-lo falar aquilo, eu nunca havia pensado naquela como sendo “minha marca”, como algo que se repetisse em meus textos, mesmo os literários, como os contos que adoro escrever.

Aquele comentário ressoou em minha mente por muito tempo – e ainda ressoa, como a própria escrita deste texto denuncia. Por que escrevo sobre mim mesmo quando não escrevo sobre mim? Explico. Alguns dos textos enviados a meu amigo eram contos sobre outros personagens. Não haviam sido pensados como diários. Mas, de alguma maneira, eu estava ali, mesmo quando a personagem da obra era “João”, “Pedro”, “Fernanda” ou “Clarissa”.

Se um dia você me conhecer pessoalmente, perceberá que sou bastante observadora e comunicativa. Não é incomum que, depois de trabalhar um tempo com uma pessoa, eu seja capaz de imitar seus trejeitos, reproduzir suas principais expressões e conhecer seus gostos mais aparentes. Tampouco é inusual que eu faça amizades rapidamente, mesmo em um contexto totalmente desconhecido para mim. Acho que é herança de meu pai esta habilidade de me adaptar bem e rapidamente em diferentes ambientes. E, pensando nisso, pergunto-me ainda mais: por que, mesmo convivendo com tantas pessoas diferentes, realidades múltiplas, crenças diversas, minha escrita ainda me delata, ainda deixa transparecer minhas experiências diárias, minhas observações constantes, minhas cismas corriqueiras?

Quando li a atenciosa proposta que me trouxe a escrever para o Palimpto hoje, voltei àquela conversa com meu querido amigo, meu gentil leitor. Sabia que aconteceria de novo, que, mais uma vez, a primeira pessoa saltaria para a página mais forte do que eu poderia controlar. Mas, desta vez, julgo que consigo explicar o motivo de, aqui, não ser possível suavizar esta primeira pessoa do singular que lhes escreve. É que falar sobre escrever é falar de quem eu sou, de como me expresso, de como me manifesto em um mundo cada vez mais povoado por sons, letras, ícones para curtir, salvar e compartilhar.

Talvez valha a pena dizer que, além de ser apaixonada pela escrita, sou fascinada pela leitura. E, para uma pessoa agitada e falante como eu, a leitura e a escrita se arvoram como lugar de silêncio, de contemplação, de solitude, de meditação. É no momento da leitura que minha mente se acalma e consegue silenciar todas as confusões da minha agenda, das minhas tarefas, das mensagens que tenho para responder. E é no momento da escrita que translitero minha ansiedade, meus medos, minhas incertezas e os sentimentos que não estou conseguindo compreender.

Então, posso dizer que existe um refúgio na leitura e na escrita, um esconderijo para o qual posso correr em tempos de alvoroço externo e polvorosa interna, um abrigo para a minha alma aflita diante de tantas demandas diárias que me interpelam, presencial ou virtualmente. Mais ainda, esse lugar de descanso não é lugar de letargia, de apatia, de improdutividade. Pelo contrário! É a paragem onde aprendo a tolerar o tédio e a transformá-lo em frutos – como diria o poeta Paul Valéry – que adocicam não somente a minha vida, mas a existência de muitos.

Por fim, sem querer terminar este texto, mas reconhecendo a necessidade de, pelo menos, pausá-lo, pondero que, ao redigi-lo, descansei minha alma por alguns minutos, talvez horas, e fiz movimentar as suas elucubrações, caro leitor, na medida que convidei suas afeições a se encontrarem com as minhas no contorno destas palavras. Espero que este encontro inspire sua imaginação, desperte seu desejo de, ao tirar os olhos destas páginas, olhar de forma diferente para a realidade que o envolve agora mesmo, aí, onde você está. Aceita meu convite para a dança da escrita?